Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
Alguém avisa para Rihanna, Bruno Mars, Katy Perry, Tove Lo, Saint Jhn e outros astros globais que eles estão bombando em participações especiais em um novo filão do forró. Veja o vídeo acima.
O batidão eletrônico da Paraíba começa lento, cadenciado, com versos originais em português misturados a vocais de hits estrangeiros. A fórmula dos compositores Israell Muniz e DJ Nonony chegou ao nº1 da parada do Brasil com “Tapão na Raba”, na voz de Raí Saia Rodada.
Israell chama o estilo de “brega atual”. Nonony prefere o rótulo “forró da loucura”. Seja qual for o nome, eles já escreveram diversas músicas com o som que toca nas ruas de João Pessoa salpicado de hits pop globais em trechos emprestados (sem pedir, claro).
No final do ano passado eles emplacaram “Vou tirar você do cabaré”, primeiro na voz de Israell e depois com um selo de sucesso: a regravação em parceria com Wesley Safadão.
Nos meio de versos sofridos, segundo Israell “inspirados em Reginaldo Rossi e Waldick Soriano”, há um trecho de “Habits (Stay high)”, megahit de 2013 da cantora sueca Tove Lo.
Os parceiros de composição Israell Muniz (esquerda) e DJ Nonony — Foto: Divulgação / Instagram dos artistas
O segundo forró estourado deles troca “sofrência” por ousadia sexual, e os ícones do brega pela influência de funk. Em “Tapão na raba”, o trecho estrangeiro é de “Roses”, faixa do rapper americano Saint Jhn remixada pelo produtor cazaque Imanbek, uma das faixas mais tocadas no mundo em 2020.
Outra marca das músicas de Israell e Nonony é a ausência de créditos dos trechos internacionais. Não há menção a estas faixas nos serviços de streaming e nem no registro do Escritório Central de Arrecadação (Ecad), onde só os dois aparecem como donos dos direitos autorais das faixas.
A prática parece ter passado batido até que o sucesso ficou grande demais. “Tapão na raba” estava indo bem na voz de Israell até que um astro do forró, Raí Saia Rodada, regravou a música com o mesmo arranjo e lançou um clipe bem produzido, em cenário que une festa de piseiro e velho-oeste.
Raí Saia Rodada no clipe de ‘Tapão na raba’, música composta por Israell Muniz e DJ Nonony — Foto: Divulgação
A versão de Raí Saia Rodada chegou ao 1º lugar dos clipes “em alta” no YouTube no Brasil em meados de fevereiro e, no final do mês, já era a música mais tocada do país no Spotify. Ela também não mencionava nenhum crédito pelo uso de “Roses”.
Internautas reclamam da mudança de ‘Tapão na raba’ — Foto: Reprodução / YouTube
A música foi lançada no Spotify em 22 de janeiro. Na terça-feira (23 de fevereiro), o G1 enviou perguntas a Raí sobre a faixa e o trecho de Saint Jhn. Ele não respondeu. Na sexta-feira (26), a faixa foi mudada no Spotify e no YouTube. O vocal gringo é substituído por um teclado com melodia parecida.
O G1 questionou a gravadora de Raí, Som Livre, que disse: “Assim que a Som Livre identificou o trecho na faixa, ele foi retirado e a música foi substituída em todas as plataformas de áudio e vídeo. A nova versão é a única disponível desde a semana passada.”
O G1 perguntou à Som Livre se a solução era temporária e se havia alguma negociação com os donos dos direitos de “Roses”. A reportagem também procurou a editora da faixa estrangeira, a B1 Recordings, mas não teve retorno. Raí não quis falar sobre o assunto.
Internautas reclamam da mudança de ‘Tapão na raba’ — Foto: Reprodução / YouTube
O resultado foi imediatamente notado por ouvintes no YouTube, que ficaram tristes. “A parte mais legal que achava foi trocada, fiquei aqui olhando a música que tinha baixado, totalmente diferente”, diz um comentário.
“É só pra mim que na parte da música em inglês depois do refrão tá estranha?”, pergunta um usuário do YouTube. “Pô, achava maior massa aquele toquezinho, devem ter tirado por conta dos direitos autorais”, lamenta outro. Ouça a nova versão abaixo:
Israell Muniz é nome artístico de Luiz Eduardo Bezerra da Costa, nascido em Patu (RN). “Já rodei por várias cidades, mas dei certo em João Pessoa”, diz o músico de 29 anos, que vive há seis anos na capital da Paraíba. Ele diz que antes da música trabalhou em uma padaria.
Em João Pessoa ele conheceu o paraibano Jeronimo Pereira De Lima, o DJ Nonony, que virou sócio em sua empreitada musical. Os dois fazem todas as músicas juntos, e chegaram a este estilo que nem eles sabem definir. “A gente mistura tudo, é um novo formato de forró”, Israell arrisca.
DJ Nonony tenta explicar o sucesso: “O que faz a música ser gostosa são as misturadas: bota um pouquinho de brega-funk, um pouquinho de amor, um pouquinho de safadeza, um arranjo bonito, a pessoa vai gostando de cada segundo”, ele descreve.
“É uma batida mais povão, da periferia. Um forró arrastado com coisas de brega-funk, de pisadinha (forró de teclado)…”, Israell diz. Além de usar sucessos estrangeiros, ele adotou um rótulo para eles: “É a ‘mixtape’, que são as capellas (trechos vocais) das músicas internacionais”, ele define.
“Sou uma pessoa apaixonada pelos anos 70, 80 e 90, conheço uma infinidade de músicas internacionais, coisas de fora, e trago para esse forró da gente”, diz Israell.
“Sempre tive essa vontade de fazer essas ‘mixtapes’. E aí eu falei com o Chiclin – produtor musical ativo no pop da Paraíba, que fez músicas do ídolo local Aldair Playboy – ele falou que dava certo, a gente viu que encaixou, ficou diferente e soltamos.
Israell Muniz — Foto: Divulgação / Instagram do artista
Em teoria, o uso de um trecho de outra música deveria ter autorização prévia e combinação de como serão divididos os direitos. São comuns também casos de artistas que usam samples e assumem o risco de terem que negociar depois, caso sejam questionados. Mas Israell nem pensava nisso.
O músico diz que nunca foi questionado por editoras dessas faixas estrangeiras: “Não deu problema, graças a Deus. Até porque eu não quero bater nisso de ficar usando capellas. Eu coloquei pouco, não é nem a batida deles, eu só pego a voz e encaixo na minha batida”, ele justifica.
Israell diz que “colocou pouco” em comparação com uma onda atual de remixes em ritmos populares do Brasil de sucessos estrangeiros inteiros, como “Halsey – Without Me – versão bregadeira”, “Bad Guy – Billie Eilish – brega funk” e “The Weeknd – Blinding lights – pisadinha”.
Billie Eilish em montagem de podcast de brega-funk — Foto: Divulgação
“Já tem muito disso no Amazonas, no Maranhão. Só que eles pegam inteiro. A gente pega só uma parte, não dá nem 15 segundos”, ele defende.
Há outros hits atuais usando trechos estrangeiros, como “Elas gostam de gasolina”, de Anderson e o Véi da Pisadinha (quase um cover sem crédito de “Gasolina”, de Daddy Yankee), e “Cabaré”, do DJ Guuga (baseada em “Earned it”, de The Weeknd). Mas a coleção de ‘feats’ de Israell e Nonony é maior.
Anderson, da dupla com o Véi da Pisadinha, que emplacaram o sucesso atual ‘Elas gostam de gasolina’, quase um cover sem crédito da música de Daddy Yankee — Foto: Divulgação
“Vai chegar o momento que [esses trechos de músicas internacionais] não vão chamar atenção. ‘Tapão na raba’, se prestar atenção, é mais batida e letra do que capella”, ele minimiza.
Israell diz que vai diminuir este uso dos trechos gringos, mas acaba de lançar outro álbum com samples (trechos musicais recortados) de músicas como o tema de “The fresh prince of Bel-Air”, de Will Smith, e “Dark horse”, de Katy Perry.
O caso de Israell e Nonony faz parte de uma revolução eletrônica em ritmos do Nordeste, com novos artistas munidos só de teclado e computador. Eles criam batidas que nem eles mesmos sabem definir e se esbaldam em possibilidades como a tal “mixtape”.
Israell vê o pop atual assim: “Você sabe que o que predomina no Brasil é forró, sertanejo e pagode – estilos que permanecem. Só que o cenário do mercado brasileiro mudou. O piseiro dominou a cena. O teclado dominou o mercado, essas coisas eletrônicas”.
“Hoje o menos é mais. O mercado hoje é uma desconstrução. Uma desconstrução musical. No que era muito arrumado, a gente deu uma bagunçada boa”, diz Israell.
Ele deu a entrevista na terça-feira (23) enquanto jantava e comemorava com Nonony. Os dois estavam orgulhosos por Raí ter regravado a música com arranjo idêntico ao deles. “Ele comprou a ideia, a batida, só fez colocar a voz. Para nós é maravilhoso. Raí merece. Hoje foi uma alegria só”, Israell comemora.