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Depois das lives regadas a cerveja e churrasco, a conta está na mesa. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e a União Brasileira de Editoras de Música (Ubem) estão atrás de taxas que somam 10% por direitos autorais das músicas tocadas nas lives patrocinadas no YouTube.
A cobrança incluiu lives que já aconteceram. Ela divide o mercado. Os compositores, que devem receber o dinheiro arrecadado, concordam. Já produtores dos intérpretes das lives, especialmente do sertanejo e pagode, estão contrariados.
Como a cobrança é retroativa e as lives continuam, o valor está crescendo. A cada live que cai no YouTube, “os 10% aumentam”, como diz a música de Maiara & Maraísa. “Aí cê me arrebenta”, poderiam dizer os empresários, ainda citando a música.
A conta chegou assim:
Como shows físicos não devem voltar tão cedo, a conta diz respeito ao passado e também ao futuro da música no Brasil. As lives foram uma luz inesperada no mercado em meio ao apagão da quarentena. Agora, uma fatia desse lugar ao sol é mais disputada do que nunca.
O Ecad representa os direitos dos autores de músicas. Ele recolhe e repassa aos compositores o pagamento pela execução pública das músicas criadas por eles.
No direito autoral, autor é diferente de intérprete. Mesmo que um cantor toque uma música que ele mesmo compôs em um show, o promotor do evento deve pagar ao Ecad, que vai receber e distribuir o dinheiro aos autores.
Em 2018, após uma briga na justiça, o YouTube passou a pagar aos compositores, via Ecad, 4,8% do seu faturamento pela execução das músicas nos vídeos. A taxa de 5% dos produtores de lives patrocinadas seria um acréscimo a este valor.
Essa cobrança extra é só para lives na internet. As transmissões de TV já estão cobertas por acordos anteriores com as emissoras, que também são produtoras dos programas.
A editora musical é a empresa que administra o direito de uso de uma música. Ela cuida, por exemplo, da liberação de canções para a publicidade, que geralmente custa caro.
Nas lives patrocinadas, a associação de editoras entendeu que, por ser uma ação que envolve publicidade, os produtores deveriam pagar 5% do faturamento com anúncios, valor que será repassado aos autores e donos dos direitos.
“Nesse mundo novo das lives, se a gente não fosse em frente com essa cobrança, os compositores não receberiam nada, só os intérpretes”, diz ao G1 Isabel Amorim, superintendente do Ecad.
Não que a taxa vá impedir a crise. “O Ecad recebe direitos por quase 6 mil shows por mês. Não tem tudo isso de live. A execução pública perdeu 50% de faturamento nos últimos meses. As lives não vão cobrir nem um pequeno percentual disso”, diz Isabel.
Não há cobrança para lives pequenas, sem patrocínio nem outra renda. O Ecad também dá desconto de 50% a lives que sejam beneficentes para o mercado da música ou com verba que cubra só montagem e cachê.
A assessoria do YouTube confirmou ao G1 que foi procurado pelo Ecad e informou que os artistas podem fechar patrocínios diretos com marcas, exibidos sem participação do YouTube na receita. Foi essa informação que levou o Ecad a mirar os patrocinadores e promotores das lives.
Isabel diz que o mercado está aceitando a taxa, e que empresas que foram patrocinadoras e promotoras de lives já procuraram o Ecad para pagar. Mas, ao falar das cobranças retroativas, ela admite a falta de adesão imediata:
“A gente tem várias negociações. Não é uma coisa exatamente rápida. Até porque é novo para todo mundo. Então você começa uma conversa. Mas entendo que será pago, pois é justo para os compositores e eles precisam ser remunerados pelo trabalho.”
Outro problema: é preciso saber as músicas tocadas em cada live para pagar aos autores. O envio do “setlist” da live ainda é incerto. “A gente está em conversas com o YouTube para que eles enviem para a gente. É muito importante”, diz Isabel.
Outro dado fundamental para definir o pagamento é o lucro de cada live com o patrocínio. Nesse caso, é preciso confiança. “O produtor da live é que declara”, diz Michaela Couto, diretora executiva da Ubem.
Para Michaela, a taxa definida tem um objetivo simples: “Cumprir a missão das editoras de garantir a remuneração aos compositores pelo direitos devidos.”
“Lógico que o Ecad ia crescer o olho nesse segmento, porque tem patrocinador, audiência alta. Já recebe da plataforma, mas agora quer cobrar do promotor ou patrocinador”, diz um produtor do mercado sertanejo ao G1, que não quis se identificar.
O fato de o YouTube já pagar aos autores é a grande reclamação. “Eu não acho justo, pois eles já recebem da plataforma. Agora eles quererem cobrar, vai diminuir patrocínio”, afirma o produtor.
A cobrança é feita para transmissões feitas a partir de 20 de março, e vem em um momento de certa ressaca das lives, como o G1 já mostrou.
“As lives já tiveram uma queda considerável de audiência. O formato acabou ficando muito de ‘plástico’, porque a galera quer ver o bastidor, o ‘off’ do artista. Quando vira show transmitido, como o próprio Ecad cita, fica repetitivo”, ele diz.
O temor é de a cobrança esfriar o mercado em um momento difícil. “Isso somado à reabertura de alguns lugares, diminui o pessoal em casa e diminui a audiência da live. E com essas barreiras de cobrança, tende a diminuir mais ainda”.
Outro produtor que já trabalhou com sertanejo e agora está no mercado de pagode, que também não quis ser identificado, diz: “Achamos uma cobrança indevida, pois é nosso canal de divulgação. É injusto ele cobrar muitas vezes do próprio autor da música”.
Há um sentimento de que as equipes destes artistas desbravaram o mercado e agora estão sendo cobradas por isso. “A gente que corre atrás do patrocínio e eles querem uma fatia”, diz o produtor de pagode.
A reação foi diferente fora dos escritórios que promovem as grandes lives. Compositores, claro, ficam aliviados com a renda extra neste momento difícil – mesmo alguns que também são intérpretes e fizeram lives.
O Procure Saber, associação que reúne alguns dos principais compositores do Brasil, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Erasmo Carlos, defende a ação do Ecad.
Paula Lavigne, presidente da associação e empresária de Caetano, diz ao G1: “É normal que esse tipo de novidade desperte algumas dúvidas, mas na verdade o pagamento ao Ecad dos direitos de execução pública pelas lives é devido”.
“O Ecad está cumprindo a sua obrigação de arrecadar em nome dos autores das músicas que são apresentadas nesses espetáculos ao vivo, que em muitos casos não foram compostas pelos artistas que estão se apresentando na plataforma”, ela diz.
“O regulamento do Ecad prevê que nessas situações o critério aplicado é o custo musical, que pode levar em conta vários fatores, como o patrocínio, por exemplo”, a produtora explica.
“Acredito que essa seja uma primeira reação de alguns, mas também estou certa de que todos entenderão como funcionam esses mecanismos de direitos autorais”, finaliza Paula Lavigne.